2.8.05

Será mesmo qualquer bobagem Glória Maria?

Às vezes as nuances são mais que relevantes a uma determinada questão, ontem no Fantástico, a apresentadora Glória Maria apresentou uma tele-enquete sobre os "campos" de recuperação para homossexuais.

No momento em que foi anunciar a opção "não", o número que o tele-espectador deveria votar para dizer que não concordava com a existência de tais "campos de concentração", ela, fugindo ou não ao tele-prompter, complementou a resposta dizendo que o não englobava o fato de achar que a existência dos campos era "uma bobagem".

É uma nuance, mas é relevante, tal nuance me deu a certeza de que não ligaria para o sim ou para o não em hipótese alguma, posto que tais campos existirem não é apenas uma bobagem, é algo sério, relevante.

Pode-se dizer que não há de se obrigar ninguém a participar, então não há problemas, mas não são justamente o fundamentalistas cristãos os principais apoiadores de Bush?

Não são justamente esses mesmos eleitores que elegeram o congresso que exigiu dos países que recebessem ajuda dos fundos contra a Aids que discriminassem formalmente os profissionais do sexo?

O que lhes impede de, num momento em que se tornem ainda mais fortes no governo dos EUA do que já são hoje, exigir que os países em desenvolvimento determinem aos homossexuais contaminados submeter-se a tratamentos como esse para que possam receber tratamento para a Aids?

Alguém pode, inadvertidamente, acreditar que o que acontece nos Estados Unidos não é problema dos brasileiros, afinal os brasileiros já tem problemas demais com que se preocupar e que se não se aceita a legislação daquele país, basta se rejeitar a "ajuda oferecida" por eles.

Não é possível considerar tal questão política nos Estados Unidos como uma questão local, Washington é a nova Roma, a sede do império ocidental contemporâneo, o poder não está concentrado em uma única cidade, mas isso é mero sinal de que todos são capazes de aprender.

Tal ajuda não é simples ajuda, não é benevolência, pois que o mundo, quase todo, sustenta a sede do império, essa ajuda é um retorno mínimo, um gasto necessário para que se mantenha o império. Sem essas ações o império se tornaria muito mais perigoso.

O cristianismo está lá, nos Estados Unidos como no império romano, mas não é interessante voltar a Roma, pois que ela é demais distante de nosso tempo e já se cuidou devidamente de se desinfetar o imaginário ao seu respeito.

E o cristianismo de Roma é o cristianismo fundante de todo cristianismo contemporâneo, embora o brasileiro seja predominantemente católico e o dos Estados Unidos de algumas de suas discidências pós-reforma, mas essa mesma reforma era fundante da sociedade alemã.

E recentemente, há cerca de meio século, os homossexuais também iam a campos de concentração na Alemanha, onde usavam um triangulo rosa, dos quais eram diferenciados, por exemplo, dos judeus, que tinham de usar uma estrela amarela. (DOWNING, 2002, p. 195)

O triangulo rosa foi convertido em símbolo de resistência no final da década de 80 pelo grupo Aids Coalision to Unleash Power, mais conhecido como Act-up, formado em 1987. "Seu trabalho de maior alcance foi o triângulo rosa nazista impresso sobre um fundo escoro com os dizeres "Silêncio = Morte", que aparecia em cartazes, buttons, adesivos e camisetas." (id., ibid., p. 194-195)

Ao menos meio milhão de homossexuais foram exterminados, deliberadamente e exclusivamente por serem homossexuais, na Alemanha e países subjugados durante a primeira metade do século XX.

Tolerar ou até mesmo desejar a existência de campos de concentração, tal qual a enquete do Fantástico pode ser um indício no Brasil, incluindo a categorização da existência de tal campos como qualquer bobagem pelo próprio jornalismo da emissora, é se tornar cúmplice.

Grosso modo a única coisa que diferencia ao final a influência do cristianismo e do islamismo na politica é o ponto de vista, de quem vê ou é visto, simultâneidades nem sempre percebidas e muitas vezes ocultas na diversidade de temporalidades.

DOWNING, John D. H. "Mídia Radical: Rebeldia nas comunicações e movimentos sociais". Tradução Silvana Vieira. Editora Senac São Paulo. São Paulo, São Paulo. 2002.

8 comentários:

  1. Anônimo2/8/05 03:12

    Olá Leonardo, achei muito pertinente o texto, só acho que o termo "bobagem" que a Glória Maria utilizou não foi de forma a dizer que a questão dos campos era irrelevante, mas sim de que era algo não aceitável. Certamente ela usou uma palavra não adequada, mas tendo em vista o contexto relatado por você, acredito que não foi nesse sentido. Mas me diz uma coisa senhor, com relação mais precisamente ao quê naquele dia do seminário tu tava discordando de mim hein? Prq não vi ainda nenhum escrito seu num sentido liberal ou conservador como me estava parecendo naquele dia. Valeu

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  2. "Professora, para mim isso de ficar discutindo homossexualismo é besteira, ninguém mais tem prolemas com homossexuais. Eu não tenho nenhum problema amigo homossexual, mas se tivesse não iria ter problema nenhum. Assim, se eles não ficassem se agarrando na minha frente. É que tem uma música do Renato Russo que eu adorava (vento no litoral) e depois que eu descobri que ele tinha feito pra outro cara eu nunca mais consegui ouvir, me deu nojo! Eu só fico imaginando os dois se agarrando"
    "Mas... essa música nem remete a sexo!"
    "Pois é... mas nunca mais eu consegui ouvir"

    Um papo "bobo" entre dois alunos de uma dessas minhas salas de aula.

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  3. Diógenes,

    Eu acredito que jornalistas profissionais não devem cometer esse tipo de equívoco. Claro que aceito julgar por intenção, mas bobagem é algo sem importância, irrelevante e a questão, no meu entender é séria.

    E bem, quando a uma perspectiva liberal ou conservadora, bem, eu não sei me rotular necessariamente tão bem para saber o que sou, eu queria ser libertário, mas sei que não sou, mas penso que talvez tenha apenas tido pouca paciência, paciência que não é necessária ao se deparar com o texto escrito...

    Simy,

    Eu compreendo seu ponto de vista, é o ponto de vista hegemônico, você acredita no progresso, provavelmente em decorrência de toda a formação escolar básica que trabalha unicamente sob uma perspectiva positivista ao extremo.

    Eu lhe digo que não acredito em progresso, então não acredito que por que a Espanha regulamentou a união civil homossexual seja uma questão de tempo que os demais países corram atrás do prejuízo...

    Di,

    Penso que realmente isso seja muito frequente, acho que é por isso que é fundamental que o debate não se encerre.

    Abraços,

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  4. Anônimo2/8/05 10:28

    Infelizmente eu não vi o Fantástico. Mas, o seu texto provoca incômodos.
    Realmente não pode ser qualquer bobagem. Muitos diriam que sugerir a banalização de um tema desses é não fortalecer o oponente. Mas, até que ponto, uma sociedade que ignora tal discussão não se satifaz em sua covardia?
    Até quando o Estado e a Igreja vão teimar na apropriação do corpo e da sexualidade ?
    Pelo menos, enquanto ninguém se incomodar, como mera bobagem...
    Um abraço,

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  5. Darlise,

    Sempre gosto de ler o que me provoca estranhamento, é quando tenho perspectiva de mudar de opinião e gosto de fazer isso.

    I importante é perceber que o poder é exercído nas relações, mas precisa de uma contra-partida de aceitação, não necessariamente do individuo, mas ao menos da sociedade.

    Simy,

    Eu sei que é tentador se manter numa lógica positivista, mas sem lhe dizer o que hoje é pior que na década de 80, eu lhe garanto, há coisas que eram melhores nos anos 80 que hoje e, bem, ao final das contas, 20 anos é muito pouco em tempo histórico...

    Izabela,

    Eu discordo quanto a denominar a equipe da Globo como "não jornalistas", querendo ou não, o Sistema Globo é o referencial de jornalismo no Brasil e, provavelmente, é também referencial no mundo.

    Isso não significa que eles detém o poder da verdade com eles, mas a globo faz jornalista, ainda com a vantagem de, normalmente, ser feito por jornalistas profissionais.

    Não significa que eu, particularmente, ame o jornalismo da Globo, mas não posso negar que é referência de exercício, de prática jornalística.

    Abraços a todos,

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  6. Anônimo2/8/05 20:33

    Muuuuito bom (mas faltam umas crases! heheeh).
    Num ímpeto de querer ser politicamente correta dizendo que campos assim são bobagens e mostrando ao público que é "pra frentex" sem preconceito, GLória Maria acabou dando margens à duplas interpretações peneiradas copetentemente por vc. Abraço! aguarde meu texto!

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  7. Nílbio,

    Pode ter certeza, faltam crases e devem faltar mais coisas, mas eu posso usar a desculpa do apurado da hora e de que nos últimos dias tenho sido abatido por um grande sono, que me ataca impiedosamente, em todo caso, encontrando erros, é só marcar que eu corrijo. :-)

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  8. Isabela,

    Como eu disse, ser referência não significa ser o melhor, ser o mais correto ou ser o que eu mais gosto, basta ter força na produção do discurso hegemônico e, nesse caso, a empresa jornalística que tem o telejornal com a maior audiência do mundo tem força, sem dúvida, participa da formação do discurso hegemônico, portanto é um referencial. E não só no mercado de capitais, também no mercado das idéias.

    Volto a destacar que percebo um jornalismo repleto de falhas, algumas grosseiras, como, por exemplo, recentemente, quando a globo trouxe uma pesquisa sobre o comportamento do homem branco estadunidense de classe média como verdade para o brasileiro algo como "amigos x parceiros" que foi absolutamente falha, incorreta...

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