26.7.10

A indisciplina e a agressividade são defesas legítimas e necessárias para o aluno em um sistema opressor

Há muito alarde em torno dos limites e da disciplina na escola, muito alarde mesmo. Joana (nome fictício), diretora de uma escola de bairro, afirma que "o mais importante da educação são os limites" e conclui que "devem ser os mesmos em casa e na escola”.

Tal pensamento não pode ser considerado um desvario isolado, pois são muitas as pedagogas - a minoria de homens que me perdoe a hegemonia feminina na profissão - que consideram as "crianças de hoje pequenos monstros indomáveis criados por famílias desestruturadas" e a escola como tendo o papel de substituir essa família, "uma instituição falida".

É importante perceber o teor messiânico, e como tal autoritário, desse pensamento, pois ao afirmar que os limites ou regras devem ser os mesmos em casa e na escola aquela diretora defende, talvez até sem perceber, que as famílias, em suas casas, devem seguir as leis da escola, uma vez que seria inviável para a escola adotar simultaneamente as leis de todas as casas.

Do mesmo princípio autoritário decorre a relação causal estabelecida por Joana entre a educação e os limites, como se a essência da educação fosse “a capacitação para a obediência e a adequação à vigilância superior”.

Uma professora de pós-graduação na área de educação que prefere não ser identificada narra que ao facilitar encontros entre pedagogas, ouve já sem perplexidade que “tanto as práticas pedagógicas tradicionais quanto as construtivistas buscam os mesmos objetivos”, em que de forma quase unânime entre os participantes o construtivismo é definido enquanto espécie de “autoritarismo polido”.

Joana afirma que a escola que dirige é construtivista, talvez por que ser construtivista é bonito, está na moda, então a escola se diz construtivista por que os pais procuram tal palavra mágica, mas, sabendo que os pais também esperam da escola dos filhos algo parecido com o que vivenciaram há 20 ou 30 anos em suas próprias experiências, atende-os em todas as suas expectativas: denominação progressista e prática reacionária.

O confronto entre a vivência particular de uma escola e o relato de pedagogas e pesquisadores faz perceber que, talvez, não haja má fé em oferecer aos pais a mentira que desejam ouvir: a de que são construtivistas enquanto tão tradicionais quanto as freiras das escolas católicas da metade do século passado, pois é possível que boa parte das profissionais da educação acreditem, do fundo do coração, que são mesmo construtivistas.

Talvez seja necessário remover a poeira das obras de Piaget, Vygostsky e Wallon. Certamente seria de grande valia ir à livraria em busca de Paulo Freire ou até de Michael Foucault.

Tais leituras deveriam ser obrigatórias para a formação e a reciclagem de profissionais da educação e não são autores revolucionários, são fundantes do pensamento hegemônico atualmente nas ciências da educação.

Autores como Paulo Freire estão, apesar de tudo, esquecidos na prática da maioria das salas de aula e da maioria das escolas, sejam elas públicas ou privadas, de classe baixa, média ou rica, que se mantém, apesar de toda a reflexão publicada nos últimos 100 anos, extremamente autoritária.

Não há como esperar respeito e alteridade de alunos que aprendem com violência e autoritarismo. A indisciplina e a agressividade são defesas legítimas e necessárias para o aluno em um sistema opressor na maioria das salas de aula.

A escola tem a função de facilitar o processo de socialização do indivíduo e para cumprir com essa função numa sociedade democrática a escola tem que educar para o exercício da democracia.

Não há como ensinar crianças e adolescentes a exercer a democracia em um processo de ensino-aprendizagem autoritário, em uma vivência autoritária.

Disciplina se refere ao atendimento a determinadas normas, mas pode ser extremamente ético e relevante descumprir deliberadamente normas que não possuem legitimação e as escolas estão cheias de regras que não são legitimadas por aqueles que as deveriam seguir e que, coincidentemente, deveriam ser também seus beneficiários.

Não há como pensar em ensinar e aprender sem a coerência entre o fazer e o falar.

Reproduzido a partir de: http://anjomecanico.blogspot.com/2005/07/indisciplina-e-agressividade-so.html

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