Às vezes as nuances são mais que relevantes a uma determinada questão, ontem no Fantástico, a apresentadora Glória Maria apresentou uma tele-enquete sobre os "campos" de recuperação para homossexuais.
No momento em que foi anunciar a opção "não", o número que o tele-espectador deveria votar para dizer que não concordava com a existência de tais "campos de concentração", ela, fugindo ou não ao tele-prompter, complementou a resposta dizendo que o não englobava o fato de achar que a existência dos campos era "uma bobagem".
É uma nuance, mas é relevante, tal nuance me deu a certeza de que não ligaria para o sim ou para o não em hipótese alguma, posto que tais campos existirem não é apenas uma bobagem, é algo sério, relevante.
Pode-se dizer que não há de se obrigar ninguém a participar, então não há problemas, mas não são justamente o fundamentalistas cristãos os principais apoiadores de Bush?
Não são justamente esses mesmos eleitores que elegeram o congresso que exigiu dos países que recebessem ajuda dos fundos contra a Aids que discriminassem formalmente os profissionais do sexo?
O que lhes impede de, num momento em que se tornem ainda mais fortes no governo dos EUA do que já são hoje, exigir que os países em desenvolvimento determinem aos homossexuais contaminados submeter-se a tratamentos como esse para que possam receber tratamento para a Aids?
Alguém pode, inadvertidamente, acreditar que o que acontece nos Estados Unidos não é problema dos brasileiros, afinal os brasileiros já tem problemas demais com que se preocupar e que se não se aceita a legislação daquele país, basta se rejeitar a "ajuda oferecida" por eles.
Não é possível considerar tal questão política nos Estados Unidos como uma questão local, Washington é a nova Roma, a sede do império ocidental contemporâneo, o poder não está concentrado em uma única cidade, mas isso é mero sinal de que todos são capazes de aprender.
Tal ajuda não é simples ajuda, não é benevolência, pois que o mundo, quase todo, sustenta a sede do império, essa ajuda é um retorno mínimo, um gasto necessário para que se mantenha o império. Sem essas ações o império se tornaria muito mais perigoso.
O cristianismo está lá, nos Estados Unidos como no império romano, mas não é interessante voltar a Roma, pois que ela é demais distante de nosso tempo e já se cuidou devidamente de se desinfetar o imaginário ao seu respeito.
E o cristianismo de Roma é o cristianismo fundante de todo cristianismo contemporâneo, embora o brasileiro seja predominantemente católico e o dos Estados Unidos de algumas de suas discidências pós-reforma, mas essa mesma reforma era fundante da sociedade alemã.
E recentemente, há cerca de meio século, os homossexuais também iam a campos de concentração na Alemanha, onde usavam um triangulo rosa, dos quais eram diferenciados, por exemplo, dos judeus, que tinham de usar uma estrela amarela. (DOWNING, 2002, p. 195)
O triangulo rosa foi convertido em símbolo de resistência no final da década de 80 pelo grupo Aids Coalision to Unleash Power, mais conhecido como Act-up, formado em 1987. "Seu trabalho de maior alcance foi o triângulo rosa nazista impresso sobre um fundo escoro com os dizeres "Silêncio = Morte", que aparecia em cartazes, buttons, adesivos e camisetas." (id., ibid., p. 194-195)
Ao menos meio milhão de homossexuais foram exterminados, deliberadamente e exclusivamente por serem homossexuais, na Alemanha e países subjugados durante a primeira metade do século XX.
Tolerar ou até mesmo desejar a existência de campos de concentração, tal qual a enquete do Fantástico pode ser um indício no Brasil, incluindo a categorização da existência de tal campos como qualquer bobagem pelo próprio jornalismo da emissora, é se tornar cúmplice.
Grosso modo a única coisa que diferencia ao final a influência do cristianismo e do islamismo na politica é o ponto de vista, de quem vê ou é visto, simultâneidades nem sempre percebidas e muitas vezes ocultas na diversidade de temporalidades.
DOWNING, John D. H. "Mídia Radical: Rebeldia nas comunicações e movimentos sociais". Tradução Silvana Vieira. Editora Senac São Paulo. São Paulo, São Paulo. 2002.